segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Por Acaso, por Fernanda Marra

Texto publicado no blog Marés e Ressacas, de Fernanda Marra. Uma bela reflexão sobre o evento em que eu tenho a honra de participar da produção.

Por Acaso

Lendo agora sobre a origem do romance intimamente associado ao surgimento do comportamento individualista da sociedade moderna. Desde ontem, quando voltava da calçada da rua 3, onde dançava meio Por Acaso junto com um monte de gente, não paro de pensar no que foi aquilo, no que é aquilo toda vez que acontece. Encontrei um nome: encontro. A leitura sobre o individualismo que me sugeriu pelo contraponto que o evento se insinua a tudo que esse comportamento sugere. Encontros são raros.

Ontem, depois de arriscar movimentos improvisados em plena calçada, ao som que se fazia naquele instante, olhando nos olhos de desconhecidos e devolvendo sorrisos, não consegui parar de pensar no que me impele para o lugar sem receio, sem sequer me preocupar em marcar antes com os amigos. Vou como que Por Acaso a um encontro com o que a música, meu corpo, o outro, que nunca sei muito bem quem é, e a cidade me proporcionam. Talvez, suspeito, seja mais que um encontro: uma acolhida. A ideia é que seja uma conjunção das artes e que elas aconteçam espontaneamente, com quem se sentir a vontade para o improviso. Impressionante como as regras são tácitas e se estabelecem, quase que silenciosamente, contando apenas com o bom-senso e o convívio. Funciona!

Verdade é que, embora esse nome seja lindo e lírico, serve muito para mim, aqui deste lugar de espectadora, admiradora, frequentadora assídua, porque para os organizadores do evento não há nada de casuístico. Por Acaso é promovido por coletivos culturais agregados à Fábrica de Cultura (não cito nomes por mero temor de cometer qualquer injustiça deixando de fora os imprescindíveis), trata-se, isso sim, de um enorme trabalho recheado de miudezas que, mesmo uma estrutura aparentemente simples, reivindica atenção e uma gestão operacional pra lá de cansativa. A gente é que sequer imagina quando está lá se divertindo. Acompanho desde o início, vi a turma bater cabeça e depois se acertar com os pequenos detalhes, as questões logísticas, já faz um tempo que está tudo tão redondinho!

A mim impressiona tudo, desde a iniciativa, a forma como ela acontece fluida e a experiência que particularmente me atravessa. Dizer que Goiânia é uma cidade carente de uma gestão cultural é, no mínimo, um eufemismo. Faz algum tempo que deixamos de ser uma cidade pequena, caminhando para 2 milhões de habitantes e as políticas públicas para a área da cultura... Sem medo de estar sendo leviana, são raras para não afirmar que inexistem. Não pretendo aqui fazer levante da incompetência e da corrupção administrativas, a cidade está informada acerca dos encaminhamentos dos recursos públicos para a cultura. É mesmo um breve desabafo em meio a esse elogio que faço a todos que viabilizam a ideia do Por Acaso. A propostas que descrevo é uma iniciativa de particulares, de gente interessada em compartilhar, em agregar, em promover a cultura, gente que sem poder investir recursos financeiros, faz esse encontro acontecer com a boa vontade do trabalho, a dedicação do tempo e sem qualquer finalidade lucrativa. Fazem simplesmente.

A calçada fica cheia, a cidade tem demanda e não são gatos pingados, pessoas, muitas delas saem de suas casas em uma tarde de sábado para olhar dentro do olho do outro, ouvir, tocar, dançar junto, encontrar um desconhecido. Acho incrível, acho heroico, um gesto enorme pela cidade pensada socialmente e por todos que nela andam cansados de ser apenas indivíduos. Faço questão de dizer que assim, Por Acaso, estão mexendo com os anseios de um grupo grande, com um modo de ser social, o que pode ter proporções maiores e mais profundas do que suspeitem os envolvidos. Acredito que essas tardes de sábado transformam nosso espaço, nos permite ocupá-lo com beleza e promovem o contato entre gente que, mesmo sem se conhecer, quer se comunicar falando a mesma língua. Espero, um desejo que descobri e me permito compartilhar, que nos leve a construir outro aspecto desse perfil social que nos falta: a tradição. Somos uma cidade jovem com potencial criativo que pulula, é verdade, mas fico sempre com a impressão de que carece afinco para cravar os pés e fazer durar o que inventamos de bom. Minha gratidão e meu apoio àqueles que promovem esse encontro tão saudável, é uma realização corajosa, democrática é muito feliz.